sábado, 31 de janeiro de 2009

Um dia dentro de uma Ambulância

Fui requisitado esses dias a escrever sobre meu trabalho, em conversa com meu primo dono do blog http://marcushistorico.blogspot.com/ , ele achou que seria um bom tema de post relacionados as situações de salvamento que a gente passa dentro de uma ambulância, que renderiam boas historias , bons assuntos e bons estímulos pra escrever.
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É delicado, ainda não tinha tentado ou pelo menos evitado, às vezes acho muito intimo o que acontece dentro de uma ambulância, cada paciente, cada ocorrência, cada atendimento, mas já dando inicio talvez eu pense errado sobre essa intimidade já que sempre tem repórteres no local cobrindo a historia e fazendo ela se tornar menos intima no mínimo. Como ele mesmo perguntou QUEM É QUE CHAMA A REPORTAGEM nessas horas? Eu mesmo ainda não descobri alguma freqüência da ambulância, da policia que alguém fica de butuca.
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Não é difícil tirar poesia disso já que muitos sentimentos se misturam nessas situações emergenciais, tantos que as vezes não dão para ser distinguidos não sei se pelo momento, não sei se pela diferença de como uma pessoa demonstra o que sente, nem mesmo cabe a nós que estamos de fora tentar imaginar já que a indiscrição se dá pela intensidade do ocorrido ser menor do que os que vivem o momento.
Uma vez escutei do meu antigo professor de literatura do colégio que só os poetas tinham a capacidade de descrever os sentimentos ou seriam capazes de domar as palavras pra descrever algo que não é material, não é visível e ninguém sabe ao certo do que é feito ou de como se chegar nele, apesar de todos serem capazes de senti-los. Tentarei pro que se segue os próximos dias ou com mais frequência descrever algumas situações por que passei dentro de uma ambulância.

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Ato I
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O DESESPERO
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Das pernas que não me faltaram na subida
Não conseguiram mais andar na ladeira.
Do medo que não tive ao olhar lá de cima
Não foi a coragem que segurou minha mão aqui em baixo.
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Os gritos que dei com vontade
Não foi o de vitoria, de dor ou felicidade.
A negatividade que me segue pensando na queda
Só senti pelos olhos vazios de vida que já havia caído.

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Caído, por conseguinte das minhas vontades
De tentar, de lutar, de esperar e até leiloar
Minha vida em troco de nada apenas pra sentir esperança

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Caído até de minhas melhores lembranças
Da minha família, do meu amor, da minha própria vida
E do que realmente importa
Quando por um momento
Realmente caí, caí em desespero.

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Algumas vezes a gente não entende o que leva uma pessoa a se desesperar a ponto de tentar suicídio, um amor que terminou de forma trágica por uma traição um abandono, um pai de família que não suporta mais ver os filhos passando fome, alguém que não tenha perspectivas nenhuma de que amanhã vá ser diferente. Estagiei algum tempo em um hospital psiquiátrico e sempre ouvi que suicida de verdade não ameaça e geralmente só consegue depois de algumas tentativas porque sempre alguém o impede ou a tentativa não foi bem sucedida, isso é explicado por alguma alteração psiquiátrica tão bem escondida na mente que nem mesmo outra mente conseguiria chegar até lá, porém também acredito nas forças do acaso alguém entrou num olho de um furacão ou então está tão sujeito a deriva dos acasos da vida que se sente tão incapaz de reverter o jogo ou que pelo menos consiga ficar de pé antes de tomar o próximo chute no chão, que se desespera a ponto de pensar que não mais viver é a solução para conseguir sobreviver sem dor, o caso o qual me levou a escrever, foi de um rapaz de apenas 23 anos que não conseguiu emprego em sua cidade no interior do Ceara ou que achou que em outra cidade seria capaz de subir mais na vida do que no lugar onde estava. Algumas pessoas são iludidas ou tão insatisfeitas no local onde vivem que fantasiam que em outro lugar está o paraíso e esquecem que perto de casa tem uma segurança a mais caso as coisas não dêem tão certo quanto planejaram, principalmente quando se é novo e não se tem experiência suficiente pra contornar a situação apenas mantendo a calma. O rapaz subiu no alto de uma antena de celular de 60 metros depois de andar dois dias por São Luís sem rumo, depois de ter sido assaltado e ficado apenas com a roupa do corpo, o engraçado que em meio ao caos da fome, da solidão, do medo ele teve a brilhante idéia de procurar as autoridades e foi até a prefeitura de São Luís procurando auxilio, a maior das nossas autoridades trabalha lá seria uma solução viável se o nosso sistema permitisse , sem ajuda as forças que tinha ele juntou pra tentar acabar de vez com toda essa confusão.
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Algumas das nossas áreas organizadas pelo governo têm prioridades financeiras e ineficiência funcional de uma forma a afetar todas as nossas vidas e às vezes não se dão conta de quantas vidas eles têm em mãos, enquanto isso há outras áreas desfavorecidas e muito mais eficientes, o rapaz até onde o deixei ele estava vivo e matando pelo menos sua fome. Talvez volte pra casa, talvez pense no que fez e não faça mais, talvez alguém venha o ajudar, talvez consiga trabalho aqui... A unica certeza que tenho é que ele esta vivo pra tentar mais uma vez alguma coisa, mas está vivo.

4 comentários:

Vanilza Freitas disse...

Talvez seria melhor: "Um dia dentro do pensar"

Pensar em como fica um paciente dentro de uma ambulância;
Pensar em como fica a mente de um suicida (antes, durante e depois - se não acontecer o suicídio);
Pensar em como fica a mente de um jovem que perde todas as expectativas (passando fome e tudo de ruim que o mundo oferece);

Pensar como é a mente de um Jornalista que tem que ter a fonte, para cobrir uma matéria que muitas vezes, o chefe ficou o tempo todo chateando-o porque não tinha nada de interessante...

Portanto um dia dentro do pensar, nada mais seria que descrever com palavras o pensamento de cada ser humano em diversas situações...

Bjks:.

Unknown disse...

Não se seria a melhor saída. Mesmo pq se ele tivesse conseguido, não só teria vivido uma 'vida de cão' como tbm passaria a eternidade com o próprio, no inferno. hehe
Mas falando sério, o desespero existe. Mas quem acredita em algo maior que tudo isso acaba tendo força de seguir em frente, de alguma forma.
Que as coisas melhorem pra ele.

Beijo, amor. ;*

errei na mosca disse...

Marcelo, interessante esse negócio de escrever sobre o que acontece dentro da ambulância.
Acho que daria um livro interessante.
Imagino que, apesar do desespero, é o momento ideal para se ouvir "últimas palavras", o que as pessoas dizem quando estão perto de morrer. Isso para quem escreve ou imagina, deve render bons frutos em mãos treinadas. Ouro puro.

Anônimo disse...

Olá,
DRummond tirou poesia de uma pedra no meio do caminho. Você encontrou o caminho das pedras nesse novo dia-a-dia com os Bombeiros.
Além das pedras, da dor, do noticiário, há poesia numa ambulância e no suicida da torre de TV.
Bom Trabalho
Marcus Saldanha